Parabéns para Shakespeare!
Clotilde Tavares | 23 de abril de 2009Hoje, 23 de abril, comemora-se o 445º aniversário do nascimento de William Shakespeare, ocorrido no ano de 1564, em Stratford-on-Avon. Com este post encerramos a série de três posts em homenagem ao poeta inglês, objeto da minha profunda admiração e paixão desvairada, para sempre e eternamente.
Toda a produção de Shakespeare é estupenda. Foram 38 peças, além de 154 sonetos, considerados entre os mais belos em língua inglesa. Morreu em 1616, aos 52 anos, depois de uma noitada alegre com os amigos, tendo vivido toda a sua vida ligado à prática teatral, onde fez fortuna e fama.
Segundo o crítico Harold Bloom, no seu livro “A Invenção do Humano”, Shakespeare “pensou mais originalmente do que qualquer outro escritor e tinha um domínio quase sem esforço da linguagem”. Seus personagens tão humanos, quase mais humanos do que nós mesmos, nos lançam numa investigação interior da qual não podemos escapar. Ao ler, ou ver qualquer das suas tragédias, principalmente “Hamlet” ou “Macbeth”, é como se estivéssemos abrindo nossa alma no divã de um psicanalista. As comédias também não são um simples passatempo, mas nos levam à nossa própria “floresta de Arden”, onde nos perdemos para nos encontrar, como Rosalinda, em “Como Gostais”.
Bloom diz ainda que ele criou mais contextos para nos explicar, a nós, seres humanos, do que somos capazes de criar para explicar seus personagens: Hamlet, Lear, Falstaff, e os vilões Iago, Ricardo III, Edmundo e Macbeth, são um estudo profundíssimo da natureza humana. E as mulheres! Cordelia, Rosalinda, Viola e a maravilhosa Beatrice de “Muito Barulho Por Nada”… Seres que povoam os palcos do mundo há quatrocentos anos e cujas possibilidades estão longe de serem esgotadas.
Mas afinal, Shakespeare existiu mesmo? É uma pergunta que sempre escuto quando o assunto vem à tona. Quem conhece e estuda a obra do poeta inglês já está acostumado com isso e sabe que periodicamente aparece alguém colocando em dúvida a autoria das peças e sonetos, já atribuída a mais de cinqüenta nomes, incluindo Christopher Marlowe, Francis Bacon, o Conde de Oxford e até a própria rainha Elizabeth I!
Felizmente para os bardólatras, como eu, não há mais dúvidas sobre quem escreveu as peças: foi ele mesmo, William Shakespeare, quem em 1582 já vivia em Londres, fazendo e escrevendo teatro. O jovem William foi para Londres aos vinte e três anos de idade onde, começando como ator, passou depois a escrever peças e em 1599 tornou-se um dos sócios do Globe Theatre. Em 1603, passou a fazer parte dos “Homens do Rei”, a mais importante companhia teatral da Inglaterra. São também desse período, início do século XVII, as suas obras mais importantes, como “Hamlet” (1601), “Rei Lear” (1605) e “Macbeth” (1606).
Unânimes nesse reconhecimento, os estudiosos shakespearianos já se acostumaram com o fato de que vez por outra aparece alguém em busca da notoriedade conferida por uma crítica ou um fato em relação a Shakespeare. É a grandeza do poeta inglês que leva o mundo a ficar sempre de olho nele, mesmo depois de decorridos quase quatrocentos anos da sua morte.
Foram muitos os nomes que duvidaram da sua real existência, como Mark Twain, Henry James, Sigmund Freud, Charles Dickens, Walt Withman e Charles Chaplin. A autoria foi questionada a primeira vez em 1796, por um certo Herbert Lawrence, e em 1848, por Joseph Hart. Surgiu então Delia Bacon, uma americana radicada na Inglaterra em 1853, que se dizia descendente do filósofo inglês Francis Bacon, e afirmou ter provas de que fora o seu antepassado e não Shakespeare o autor das obras famosas. O debate pegou fogo nos meios acadêmicos, nada foi provado e a sra. Bacon terminou seus dias num manicômio, talvez por não ter sido levada a sério.
Roger Pringle, diretor da Fundação Shakespeare Birthplace, não acredita nos argumentos apresentados pelos pesquisadores que vez por outra aparecem com dientidades novaa para W Shakespeare. Diz ele que o que os move é apenas o desejo de vender livros. Já Ann Thompson, professora do King’s College London e editora da série Arden Shakespeare, defende que tudo isso é puro preconceito: setores do meio acadêmico e intelectual jamais aceitaram que um homem sem instrução universitária pudesse erguer tais monumentos literários. É mais uma vez o preconceito do erudito contra o popular, deformação que persegue Shakespeare há quatrocentos anos e que nossos autores de cordel e poetas populares já experimentaram várias vezes, na própria pele.
Compartilho aqui com você algumas jóias do poeta inglês. Vejam esta, bem adequadas a estes nossos tempos, onde se fala sem pensar e se difama por distração: “O bom nome para o homem e para a mulher, meu caro senhor, é a jóia suprema da alma. Quem rouba minha bolsa, rouba uma ninharia. É qualquer coisa, nada; era minha, era dele, foi escrava de outros mil. Mas quem surrupia meu bom nome tira-me o que não o enriquece e torna-me completamente pobre.” (“Othelo”, Ato III, Cena 3).
Há, também uma peça dele, não tçao conhecida, “Como Gostais” (“As you like it”), uma deliciosa comédia, cheia de tramas, onde a heroína se disfarça de homem e os poemas de amor parecem nascer nas árvores. Um dos seus melhores momentos é a fala do personagem Jacques, na Cena 7 do Ato II, sobre as “sete idades do homem” e traça um retrato entre trágico e irônico do que é a nossa vida.
Jacques começa dizendo que “…O mundo é um palco; os homens e as mulheres, meros artistas, que entram nele e saem. Muitos papéis cada um tem no seu tempo; sete atos, sete idades. Na primeira, no braço da ama grita e baba o infante. O escolar lamuriento vem depois, com a mala, de rosto matinal, e como serpente se arrasta para a escola, a contragosto. Então vem o amante, fornalha acesa, celebrando em balada dolorida as sobrancelhas da mulher amada. A seguir, estadeia-se o soldado, cheio de juras feita sem propósito, com barba de leopardo, mui zeloso nos pontos de honra, a questionar sem causa, buscando a falaz glória até mesmo na boca dos canhões. Segue-se o juiz, com ventre bem forrado de cevados capões, olhar severo, barba cuidada, impando de sentenças e de casos da prática; desta arte seu papel representa. A sexta idade em calças magras tremelica, óculos no nariz, bolsa de lado, e a voz viril e forte, que ao falsete infantil voltou de novo, chia e sopra ao cantar. A última cena, remate desta história aventurosa, é mero olvido, uma segunda infância, falha de vista, de dentes, de gosto e de tudo.”
Ah, meu caro leitor! Ninguém descreveu com tanta poesia e capacidade de síntese esta vida que levamos. Shakespeare é uma leitura grandiosa, a qualquer estado de espírito, a qualquer necessidade da alma. Sempre haverá uma peça, ou trecho dela, que exprima exatamente aquilo que estamos pensando e às vezes nem compreendemos direito; ou aquilo que queremos dizer mas não sabemos como.
E é por isso que nos aqui, quatrocentos e quarenta e cinco anos depois, estamos repetindo as palavras deste homem que com sua arte, conseguiu levantar o véu que encobre essa matéria sutil: a Alma Humana.
No post de amanhã, voltaremos aos assuntos habituais, muito embora seja possível passar um ano inteiro. escrevendo diariamente sobre William Shakespeare.
Baixe o texto completo aqui: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000087.pdf
Obrigado pelo texto. Tentarei consegui a tradução para ler. Abraço.